Filho do interior, fui criado
num tradicionalismo rigoroso. Cresci esperando a visita sumir na curva distante
antes de bater a porta, e tomando a benção aos mais velhos antes de ir para
cama. As serras fluminenses guardam um pouco disso, assim como conservam as
pesquisas nostálgicas sobre trava-línguas e ditos populares nas festas de
folclore. Uma pena que os dois beijinhos não venham gozando de tal proteção.
Acostumado a levar a mão ao
ombro e condecorar as bochechas das senhoras com dois estalares de lábios, não
me acomodo a dar um beijo só nos cumprimentos e despedidas! Protesto! Me indigno
com a frieza do unitário. Deixar de dar dois beijos por aqui é o mesmo que
pedir ao carioca para abandonar o chiado ou ao mineiro para largar o trem. É
tradição, é educação, como deixar o dono da casa se servir primeiro no almoço
de domingo.
Não bastando essa deformação
cultural, corromperam também o abraço. Antes valíamos dele após os dois
beijinhos, como forma de expressar ainda mais carinho e aproximação. Agora,
fizeram com que sirva de arma de ruptura.
Ontem mesmo cumprimentei uma
amiga, amiga velha, diga-se, quem mais precisava conservar os costumes. Cumprimentei
com os olhos, seguidos pelo sorriso e passei ao primeiro beijo. Lábios
descolando da maçã do rosto, fiz menção de alcançar o outro lado da face, mas
fui interrompido por um abraço que dizia com ferocidade:
- Dois beijos não passam, meu
chapa.
Beijo morto na ponta dos lábios,
parti tristonho, sem a satisfação do cumprimento completo. É difícil velar um
defunto tão influente no cotidiano! Mas o meu medo principal, fora as boas
relações, é que, se já não persistem sequer dois, que será dos casamentos? É
preciso três pra casar!
Adorei!!
ResponderExcluirUau! Fantástico! Gostei muito!
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