sexta-feira, 28 de junho de 2013

Coração de tinta


Outros já diziam, bem antes de mim, que não se faz um ser humano só daquilo que lhe chamam corpo; vai além de células, tecidos, órgãos e sistemas; recai tamanha complexidade sobre o indizível, o inexplicável, num vão sobre o qual trovejam e se arrastam argumentos de farinha. Alguns se fazem em imagem, melodia, sensações. Eu mesmo, por exemplo, me faço em palavras.
Desenhei na pré-escola os encantos da infância, lamentei os amigos perdidos em metáforas, aliterei o som do córrego que corta o meu terreno. Rimei em verso e prosa as riquezas do meu sítio, deslumbrei, adjetivando, a cidade de concreto. Suspirei os amores perdidos e dei forma incerta aos que ainda viriam. Esculpi, palavra a palavra, o futuro que anseio. Dissertei futilidades, gastei latim, rabisquei bilhetes às pressas, carteei meus sentimentos. Organizei ideias, produzi e descartei, pensei e me arrependi de não produzir.
Fiz do meu coração tinta sobre o papel. Gravei-me na eternidade.
Um dia irei. Os relatos ficarão. Haverá três de mim: um que apodrece, roído pelos vermes; outro, que se eleva, que vive eterno em outra terra; e ainda um terceiro, imortalizado também neste mundo pelo seu coração de tinta. 

5 comentários:

  1. Amigo, você é tudo de bom. Muita sorte nessa nova fase. Beijos

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado, Jaque! Te espero mais vezes por aqui.

    ResponderExcluir
  3. Obrigado, Angelo! Agora é persistir assim. Conto com suas visitas e seus comentários.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom o texto...deu vontade de escrever, pena que eu não tenho esse Dom! Abraços.

    ResponderExcluir